segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Trabalhadores rurais do Maranhão são escravizados no Pará, constata pesquisa

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
O OLHAR É LANÇADO PARA NARRATIVAS DE MIGRANTES VÍTIMAS DA ESCRAVIDÃO POR DÍVIDA NA AMAZÔNIA PARAENSE. ELES SÃO, EM SUA MAIORIA, HOMENS, NEGROS E ANALFABETOS.

Açailândia é um estratégico centro exportador de trabalhadores braçais à Amazônia Paraense. O uso da força desses trabalhadores, de forma análoga à escravidão, é um dos gargalos que comprometem o desenvolvimento social e humano da região. O município é local de conflitos desde a chegada de projetos desenvolvimentistas de agronegócio, siderurgia e mineração, tais como a implantação do Projeto Grande Carajás, em 1980, que criou contradições socioeconômicas e ambientais, além de ter provocado um agudo êxodo rural na região.
O município da Amazônia Maranhense fez parte das pesquisas de Fagno Soares, da Universidade de São Paulo. Sua tese traça a narrativa dos trabalhadores rurais do Maranhão que trabalham como escravos Amazônia. Durante quatro anos o ele se dedicou a investigar a vida de trabalhadores escravizados no campo, o que resultou na pesquisa “Escravos na Amazônia: geografando histórias de trabalhadores rurais do Maranhão no Pará”, que busca compreender o processo de escravização contemporânea na fronteira entre os dois estados.
A exploração de minérios que tomou a região da Serra dos Carajás atraiu muitos trabalhadores para a região, vindos de diversas partes do País. “Eles se refugiaram em espaços periféricos de Açailândia, sem a menor infraestrutura de moradia e despreparados para o novo mundo do trabalho do qual sequer conseguiam ser inseridos”, explica.
“Restou a estas classes subalternizadas migrarem para o Estado do Pará, um processo migratório herdado, pois muitos aprenderam com seus pais que o Pará era uma terra de oportunidades, um eldorado do trabalho, uma vida de peregrinação em busca da sobrevivência de suas famílias, através da migração forçada”, comenta Fagno.
A pesquisa também traçou um perfil dos trabalhadores rurais escravizados. “São, em sua maioria, homens, negros, pardos, analfabetos, semianalfabetos, analfabetos funcionais, sem qualquer qualificação profissional para o mundo do trabalho urbano”, aponta.
O estudo foi feito através de entrevistas com trabalhadores de Açailândia, Maranhão, estado recordista em conflitos de terra. Através das narrativas dos entrevistados, foi feito um mapeamento e uma análise do que é a vida do migrante daquela região, que precisa se deslocar a fim de buscar trabalho para o sustento próprio. Fagno explica que sua tentativa foi romper com uma visão homogeneizada do que são a migração e o migrante.
Condições de trabalho
“A expressão trabalho escravo contemporâneo, é ainda conceitualmente frágil para dar conta de toda complexidade socioeconômica e histórica, que envolve o tema, daí os embates e disputas conceituais tão prementes”, explica Fagno.
“Defendemos, pois, a noção de trabalho escravo, enquanto escolha político-militante, por entender que nossos narradores assim são tratados na Amazônia”, explica Fagno. O pesquisador aponta que é resultado da combinação de vários elementos que não envolvem apenas o trabalho degradante com privação da liberdade.
Sua observação, tendo como localidade central o município de Açailândia, mostrou que outros fatores estão em jogo. “Isolamento geográfico, retenção de documentos e salário, servidão por dívida, vigilância armada, maus tratos, punições por fugas, violência física e/ou psicológica e até assassinatos, tais características apareceram nas narrativas de nossos sujeitos históricos e geográficos”, explica Fagno. “Se constitui como uma atividade laboral degradante que envolve cerceamento da liberdade, por meio de uma dívida, aliado a péssimas condições de trabalho, alojamento, saneamento, alimentação e saúde.”
Segundo ele, estima-se que existem entre 25 a 40 mil trabalhadores rurais vivendo em regime de escravidão no campo. “Principalmente no Pará, Mato Grosso, Maranhão, e Tocantins, configurando a cartografia da exploração do homem pelo homem”, acrescenta Fagno. Carvoarias, garimpos, fazendas, na produção de carvão para siderurgia, na produção de cana-de-açúcar, de algodão, de grãos, de erva-mate, pecuária bovina e desmatamento, são alguns exemplos usados pelo pesquisador.
Fagno cita o tardio reconhecimento do trabalho escravo no Brasil, aconteceu somente em 1995, quando o País reconheceu oficialmente junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Lastimavelmente o estado do Maranhão é o maior exportador de trabalhadores escravizados no Pará”, comenta.
Papel do Estado
A pesquisa mostra, por meio de dados apresentados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que nos últimos vinte anos de combate à escravidão por dívida no Brasil, cerca de 50 mil trabalhadores foram libertos em várias partes do País.
Fagno explica que um ponto essencial para o combate da prática do trabalho análogo à escravidão na região é a reforma agrária. Mas, para além desse processo longo e que enfrenta grandes entraves no País, outras iniciativas são importantes. “Faz-se necessário arregimentar esforços num conjunto articulado de ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo no resgate dos trabalhadores e a efetivação de propostas de combate e prevenção contempladas já nos Planos Nacionais para Erradicação do Trabalho Escravo de 2003 e 2008 e nos Planos Estaduais em de 2007 e 2012”, explica o pesquisador.
“Diante da letargia de alguns setores do governo no enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo, levantam-se instituições outras que atuam em âmbito regional, nacional e internacional com importante atuação no combate ao trabalho escravo contemporâneo”, comenta, citando organizações como o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, a Comissão Pastoral da Terra, a Repórter Brasil e a Organização Internacional do Trabalho.
Para ele, outros instrumentos são a PEC 438/2001, que prevê a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde forem flagrados trabalhadores escravizados, e é a lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego, que lista empregadores flagrados utilizando mão-de-obra escravizada.
“Se por um lado, a aprovação da PEC do Trabalho Escravo representou um avanço na conquista como instrumento de combate às formas contemporâneas de escravidão no Brasil, por outro a sua regulamentação através do Projeto de Lei do Senado 432/2013, poderá ser um grande retrocesso no enfrentamento do trabalho escravo”, afirma Fagno.
O conceito de trabalho escravo defendido pelo congresso exclui as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva como elementos característicos. “É um conceito muito evasivo”, afirma Fagno. “Isso dificulta o enquadramento jurídico desse crime.”
“A nova lei poderá legalizar a prática de trabalho degradante em detrimento ao direito a dignidade do trabalhador, em benefício dos neoescravocratas. Trata-se de uma história em construção a lume de múltiplos interesses, tornando o tema uma questão em aberto”, argumenta.
Segundo a pesquisa, os dados do Ministério do Trabalho e da Comissão da Pastoral da Terra mostram que é evidente que a grande maioria dos casos dos trabalhadores escravizados na Amazônia continua sendo motivada pela derrubada da floresta e limpeza de pasto para formação de fazendas destinadas ao agronegócio.

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